No seguimento das "8 Escolhas de João Paulo Simões", originalmente publicadas no agora desaparecido site de Cinema "Improviso Ensaiado" e re-publicadas a posteriori no Volume III de A Engrenagem do Pensamento, ALGORITMOS apresenta aqui novas incursões pessoais do Cineasta.
- Outros Oito -
 
Picnic At Hanging Rock (1975) - Peter Weir
Eterniza-se num resíduo - numa memória que se despe dos contextos mais imediatos que rodeiam o mistério central ao enredo. A condição feminina, forçada a uma formalidade e tradição construídas, entrega-se num abandono sublime; sintonizando-se com uma Natureza que dela só nos sussurrará uma impressão do que foi... ou viria a ser.


Julia and Julia (1987) - Peter Del Monte
Instalou-se no meu subconsciente no início da adolescência, num visionamento noturno ilícito, vindo a manifestar-se mais tarde em detalhes subtis dos meus primeiros filmes (que só agora reconheço). Revê-lo com um olhar amadurecido revelou uma fascinante alternância, precisamente, entre o que se reconhece, o que se recorda e o que se deseja - com a dualidade feminina a sustentar a narrativa e a discreta sugestão de que o estado de demência poderá ser uma porta entreaberta para outra (im)possível realidade.

[SAFE] (1995) - Todd Haynes
Existe algo incontestável no "interior" de Safe. Aqui, Todd Haynes veio me relembrar o agora (de então) e muito assegurar para o futuro (de hoje).
No exterior do antigo Cinema King em Lisboa, acabado de "testemunhar" este filme, absorvi a sua autenticidade e a importante lição de sempre manter a objectividade quando se aborda temas subjectivos. Aprendi que a simplicidade e a exactidão são cruciais e mais válidas que quaisquer outros estímulos ou convenções.
A aparente singularidade da condição da personagem principal (encarnada pela insubstituível Julianne Moore, no mais perfeito dos castings) recebe um tratamento atmosférico e encontra uma equivalência inconclusiva na comunidade que a acolhe - que tanto tem de New Age evangélico de outras décadas, como de antepassado recente da validação digital em que vivemos.

Body Double (1984) - Brian De Palma
Cada revelação (precisa e consciente) demarca-se em contraponto com a incapacidade do protagonista - o voyeur de masculinidade afrontada que se perde numa construção hitchcockiana.
É sem concessões ou qualquer restrição que De Palma vem aliar a nossa retina a um olhar dedicado ao sórdido, objectificado e mortal; sublinhando assim que "Cinema é isto".

Possession (1981) - Andrzej Zulawski
Toda a exacerbação dos estados psicológicos e a sua extensão aos elementos cinematográficos - processo que tanto define o trabalho de Zulawski - atinge aqui o maior rigor e pertinência.
O adoptado tom de inevitabilidade e o sentimento constante de perda acompanham toda a deteriorização mental e matrimonial de forma mais que perfeita. É num abstracto estado de sítio que a perspectiva conservadora de família é desafiada e subvertida, forçando cada personagem a encarar o seu papel.
Exposto a esta avassaladora obra em tenra idade, apercebi-me, no entanto, da franca coerência da abordagem nesse sentido: tudo se despoleta "do interior para fora" com a mulher, enquanto o homem se deixa consumir por algo exterior que o transcende...

The English Patient (1996) - Anthony Minghella
Quando o Cinema mainstream gera uma indiscutível obra de arte... Se Minghella humildemente assumia como seu único talento a capacidade de se "rodear das pessoas certas", conseguiu neste filme o absoluto equilíbrio de todas as partes.
A pertinência de cada frase dita ou escutada, a profundidade de cada imagem ou memória a formular uma narrativa pessoal (mas, de vários rostos) e a imortalização de um sentimento que se quer maior do que o tão específico contexto histórico - são aqui calibrados pelo discernimento e lucidez da edição e design de som de Walter Murch (a quem viria a ter a oportunidade de felicitar pessoalmente, anos mais tarde, em entrevista).

New Rose Hotel (1998) - Abel Ferrara
Da fonte literária futurista, em que os interesses das grandes corporações tudo suplantam, Ferrara cria uma obra simultâneamente introspectiva e retrospectiva. A busca pelo entendimento do passado recente e tentativa de descoberta do momento exacto da traição do seu objecto de desejo, leva a personagem central a revisitar eventos anteriores em agonia e reclusão.
A linguagem cinematográfica re-organiza, re-editando hipnóticamente as memórias em questão com toda a subjectividade da mente humana. Quando o tal instante crucial tem lugar, somos apenas nós, espectadores, que por fim o testemunhamos.

L'Humanité (1999) - Bruno Dumont
Traduz-se em rigor estético e num tom apuradíssimo, que se destilam numa narrativa enriquecida pela imperfeição dos não-actores.     
Dois detalhes puramente visuais têm lugar perto dos derradeiros instantes do filme. Um, subverte o naturalismo das duas horas que o antecederam; o outro, oferece-nos a certeza do que nos fora apresentado no início - na mais ambígua das confirmações.



Our parent company 
Frontier Media now incorporates AdSense
Please, visit its official page and make sure you click on each of the ad banners to give us that extra support in revenue. It's perfectly safe and you can simply hit back without being charged a penny. Thank you!